A fórmula de RPG de ação lançada por Diablo em 1996 e refinada
em 2000 por Diablo II às vezes parece atemporal. Há quem possa ter criticado a
simplicidade de tudo em 1996 mas ainda jogue as velhas criações da Blizzard ou
tenha interesse pelos clones que elas inspiraram, de Titan Quest a Torchlight
2.
Esperar por Diablo III é, portanto, querer conhecer as
evoluções que a Blizzard pôde imaginar pelos últimos doze anos e que,
provavelmente, foram feitas para durar pelo menos mais uma década. Que tal
então um jogo um pouco mais colorido, cheio de conveniências que podem dividir
os jogadores das antigas e a mesma jogabilidade simples e viciante?
Nova Tristram, velhos clichês
Em Diablo III, a decisão mais importante para os jogadores é
feita logo no começo: a escolha da classe. Existem cinco delas, todas
extremamente diferenciadas: o Bárbaro, o Arcanista, o Caçador de Demônios, o
Monge e o Feiticeiro. As diferenças entre o estilo de jogo de cada uma delas é
imensa. O Bárbaro, por exemplo, é um combatente simples e direto que fica mais
forte usando sua fúria, enquanto o Feiticeiro se envolve em batalhas com
ataques à distância e invocações. O jogo é tão diferente com cada um que vale a
pena jogar com todos só para sentir as mudanças.
Alguns jogadores podem até sentir falta de classes mais
tradicionais do universo de RPGs de fantasia medieval, como o
"guerreiro" ou o "paladino", mas a verdade é que as classes
de Diablo III são envolventes, únicas e especiais, com habilidades
interessantes e sempre úteis em combates.
Mas se a jogabilidade oferece diversidade para cada tipo de
classe, o enredo se limita a repetir velhos clichês. Diablo sempre foi um jogo
com foco na ação e sem vergonha alguma disso. A matança de inimigos, a evolução
de personagens e a pilhagem de tesouros são repetições misteriosamente
cativantes e que dependem muito mais de um bom clima que de um enredo primoroso
como pano de fundo.
Em Diablo III, os produtores deixam claro desde o início
suas intenções quanto ao enredo. A cidade de Nova Tristram é invadida por
mortos-vivos e o personagem do jogador, independente de quem seja, vai
investigar o caso, mesmo sem uma motivação muito forte ou aparente para tal.
Ele descobre então que tudo parece ter relação com um cometa que caiu na antiga
catedral e aproveita o passeio por lá para resgatar Deckard Cain, o carismático
decano da trilogia.
Mais detalhes poderiam revelar spoilers importantes, mas,
mais uma vez, é bom frisar que o enredo continua sendo algo sencundário. Os
diálogos são bem superficiais e forçados e, apesar das belíssimas cenas de
corte da Blizzard valorizarem qualquer roteiro, Diablo III deixa a desejar
nesse quesito, mesmo para quem não espera muito além de alguns velhos clichês e
desculpas para a pancadaria.
Já quem baixou a versão em português terá uma impressão
ainda pior da história, graças a um trabalho de dublagem que vai do excelente
ao mal feito em um mesmo diálogo. Enquanto dubladores de alguns personagens
secundários como o capitão Rumford de Tristram mandam muito bem, outros
principais decepcionam muito, como é o caso de Léa, a sobrinha de Deckard Cain
que na versão em português fala do sumiço do tio em meio a um ataque de
mortos-vivos com a emoção de uma âncora de telejornal lendo sobre a queda da
taxa de juros.
Quem baixou a versão em inglês, em contrapartida, não terá
muitos problemas com a dublagem. Inclusive um ponto alto é Michael Gough
reprisando o papel que fez nos últimos dois jogos como dublador de Deckard
Cain.
Segurando a mão do jogador
Diablo III parece com seus antecessores em quase tudo. O
visual, ainda que menos sombrio que o de costume, evoluiu dentro do esperado e
a jogabilidade manteve intacto o propósito de clicar freneticamente em
inimigos, matar todos e roubar seus tesouros. Mas existem muitas novidades
envolvidas nesta fórmula padrão, algumas boas, outras nem tanto.
A primeira grande decepção para o apreciador dos outros
Diablo aparecerá quando ele passar de seu primeiro nível. Diferente do resto da
série, a evolução agora é totalmente automática. Não é preciso mais distribuir
pontos de atributos ou escolher habilidades cuidadosamente em uma árvore de
talentos. O personagem evolui sempre da mesma forma e sempre ganha todas as
habilidades, cabendo ao jogador apenas decidir quais ele deixará
"ativadas" para seus combates.
Parece simples demais e é exatamente isso. Não existe mais
uma customização real de personagens, e um monge de nível 30 será sempre igual
a outro monge de nível 30, talvez com sutis variações de equipamentos. Não é
possível criar nada diferente do usual.
Existe um lado positivo em tudo isso. Não dá para
"estragar" personagens se especializando demais em algo e se dando
mal quando enfrentar inimigos imunes a fogo, por exemplo. E não dá para errar
na evolução do personagem e fazer algo mais fraco ou mais forte. Mas esse é um
preço baixo pela liberdade de escolha nos antecessores da série, portanto mesmo
se a simplicidade for boa para jogadores casuais, acaba sendo uma grande
decepção para quem gosta de se dedicar mais às minúcias do jogo.
As habilidades são o ponto mais questionável dessa evolução
linear. O jogador não precisa mais escolher o que ganhar quando passa de nível.
Ele escolhe apenas o que usar no presente momento. Portanto, se não está dando
certo enfrentar a imensa legião de inimigos na masmorra com a "flecha
perfurante" do Caçador de Demônios, é só dar uma pausa e equipar a
"boladeira explosiva" que causa danos em área. Isso é bom por deixar
qualquer personagem mais versátil, algo especialmente útil na hora de formar
grupos nos modos de jogo cooperativos. Mas, mais uma vez, é uma opção dos designers
da Blizzard que tornou todos personagens de uma mesma classe quase iguais,
tirando um pouco da variação de Diablo II.
Essa limitação na evolução de personagens é apenas um
sintoma de algo que acontece em Diablo III como um todo. São muitas conveniências
e um excesso de zelo com o jogador que prejudica muito a diversão. Os exemplos
são vários. Itens agora ocupam quase todos o mesmo espaço na mochila, seja ele
uma espada de duas mãos ou um gorro de pano, tudo para simplificar o inventário
e tirar o trabalho de encaixar itens por lá. Só que além disso, a mochila já é
grande o bastante para carregar muitos itens, e quando decidir vender tudo na
cidade, é só abrir um portal e dar um pulinho nos mercadores NPCs. E não é
preciso gastar ouro e nem muito tempo na brincadeira. Os portais são
ilimitados, funcionam em quase qualquer lugar e não gastam pergaminhos nem
nada.
Algo parecido acontece na hora da identificação desses
itens. Não é preciso gastar pergaminhos e nem mesmo conversar com Deckard Cain
para saber as propriedades mágicas de um item novo. É só clicar com o botão
direito sobre ele e esperar alguns segundos. Ficou tudo tão fácil que perdeu um
pouco da graça e do suspense que havia ao carregar um item aparentemente
precioso.
Aliás, fácil não é palavra certa para definir Diablo III, já
que em níveis de dificuldade adequados o jogo é desafiador até demais. O mais
correto é dizer que a equipe da Blizzard se preocupou tanto em otimizar a
experiência e eliminar detalhes que tirou parte da sensação de recompensa em
coisas simples. Mesmo morrer não é algo muito trágico aqui: o personagem volta
para um ponto de controle e se estiver acima do nível 10 perde durabilidade em
alguns itens. Abaixo do nível 10 o jogo tem tanta pena do jogador que apenas o devolve
ao último ponto de controle. Claro, para quem gosta de emoções fortes existe o
modo hardcore, em que a morte do personagem é definitiva e eterna. Mas falta um
meio termo como em Diablo II, quando morrer significava perder moedas de ouro e
possivelmente alguns itens raros.
Online compulsório
Apesar do excesso de comodidades, Diablo III ainda é bem
divertido em seus combates, que é o principal pilar da sua jogabilidade. A
estratégia para uma batalha geralmente envolverá mais que cliques descontrolados
no mouse, principalmente em jogos cooperativos online, em que até quatro
jogadores podem lutar juntos e do mesmo lado. E a facilidade para jogar com os
amigos é mais um grande ponto positivo deste jogo.
É possível começar uma campanha cooperativa e convidar quem
estiver online para participar, ou simplesmente entrar a qualquer momento em um
jogo de um amigo como convidado. Sempre é possível entrar em jogos públicos de
amigos imediatamente, o que possibilita jogatinas casuais e sem compromisso de
forma extremamente prática. Para equilibrar as coisas, sempre que o jogador
estiver em grupo os inimigos ficam mais fortes, de forma proporcional à
quantidade de participantes da equipe. Prático e fácil, exatamente como em qualquer
outro jogo da Blizzard.
Mas no extremo oposto da facilidade em jogar o multiplayer,
está a dificuldade de se jogar sozinho. Não dá para jogar Diablo III sem uma
conexão de internet, mesmo se o jogador nunca quiser utilizar nada do universo
online do jogo. E mesmo jogando sozinho em casa, terá problemas de conexão,
como os que assombraram os primeiros dias do lançamento do jogo.
Além disso, ter lag jogando no singleplayer só parece uma
piada sem graça até o momento em que se tem um personagem no Hardcore. Porque
realmente, morrer no modo normal não é nada demais, mas perder horas investidas
em um arcanista que morreu por uma falha de conexão e nunca mais voltará é
especialmente doloroso.
Além do modo cooperativo, não existe muito a ser feito
online, apesar de que um PvP já foi anunciado. Mas para quem se interessar em
vender e comprar equipamentos do jogo, existe uma nova casa de leilões de
itens, em que os jogadores podem anunciar seu loot e comprar raridades de
outros. É uma ferramenta interessante e com grande potencial, mas que nos
primeiros dias está infestada de itens ordinários ou itens especiais com preços
supervalorizados. Como em qualquer tipo de mercado, a tendência é de que a lei
da oferta e procura equilibre as coisas. Mas de qualquer forma, a casa de
leilões não deixa de ser uma ferramenta útil e de certa forma inovadora, ainda
que também tire uma porção do suspense e da expectativa de lutar por itens
raros por seus próprios méritos ou sorte.
Diablo III é um jogo de ação direto e sem frescuras, ótimo
em partidas cooperativas online, mas simplificado demais em alguns itens. A
progressão de níveis automática, por exemplo, tira toda a diversão envolvida em
customizar personagens e criar algo diferente, além de simplificar muito o que
sempre foi um ponto alto na série. Comodidades em excesso, como portal para
vila infinito e a identificação de itens rápida também tornam o jogo mais
bonzinho com os casuais, mas subtraem aspectos importantes dos jogos
anteriores, como a valorização de cada item e o suspense envolvido em carregar
um espada aparentemente comum e mais tarde descobrir ser algo extraordinário.
Em contrapartida, as cinco classes são extremamente interessantes e únicas o
suficiente para estimular várias novas incursões pelos dungeons do jogo. E
claro, sendo um jogo da Blizzard, Diablo III é feito com um capricho especial e
sem arestas ou falhas grotescas, salvo os problemas de servidor que
atrapalharam a jogatina na primeira semana.
Pelos doze anos que o separam do jogo anterior, Diablo III
deveria oferecer mais e evoluir em aspectos mais relevantes. No final das
contas, é um jogo proporcionalmente inferior ao anterior, mas ainda bom o
suficiente para render dias, ou quem sabe anos, de diversão.
Prós
Diversão simples, linear e instantânea;
Classes de personagens únicas;
Modo cooperativo prático e ainda muito divertido.
Contras
Excesso de conveniências atrapalha a diversão;
Sem customização dos personagens;
Sem modo offline;
Dublagem em PT-BR deixa a desejar.